Quatro dias depois de ficar em silêncio diante dos delegados da Polícia Federal que investigam sua participação no planejamento de um golpe de Estado no BrasilJair Bolsonaro fez de cima do carro de som do ato deste domingo na avenida Paulista uma declaração que pode complicar sua situação no inquérito, por ter sido encarada pelos investigadores como uma confirmação de que ele tinha conhecimento da minuta de golpe.

O documento que ficou conhecido como “minuta do golpe” foi encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres em janeiro de 2023. Era o rascunho de um decreto instalando um “Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral”, com o objetivo de “garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022”.

Na prática, o texto previa uma intervenção no TSE para mudar o resultado das últimas eleições, vencidas por Luiz Inácio Lula da Silva.

“Agora, o golpe é porque tem uma minuta de um decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenham santa paciência. Golpe usando a Constituição”, disse o ex–presidente no único momento do discurso de mais de 20 minutos em que se propôs a explicar as acusações da PF contra ele.

“Deixo claro que estado de sítio começa com o presidente da República convocando os conselhos da República e da Defesa. Isso foi feito? Não. Apesar de não ser golpe o estado de sítio, não foi convocado ninguém dos conselhos da República e da Defesa para se tramar ou para se botar no papel a proposta do decreto do estado de sítio.”

Para policiais federais envolvidos na apuração do caso– alguns dos quais inclusive acompanharam in loco a fala do ex-presidente –, embora tivesse a intenção de sustentar que não houve tentativa de golpe, ele admitiu que havia uma minuta. Esses investigadores anteciparam à equipe da coluna que a transcrição da fala será incluída no inquérito.

Ao longo dos últimos dias, Bolsonaro foi instruído pelos advogados a não fazer ataques ao STF ou a urnas eletrônicas, por exemplo, e muito menos ao ministro Alexandre de Moraes, que comanda as investigações sobre ele.

O temor era de que ele se exaltasse e acabasse descumprindo alguma das medidas cautelares determinadas por Moraes ao autorizar a operação Tempus Veritatis, em 8 de fevereiro.

Da última vez que comandou um ato público na avenida Paulista, Bolsonaro chamou Moraes de “canalha” e disse que não cumpriria as decisões do STF.

Agora na mira do Supremo pela investigação sobre os atos golpistas, Bolsonaro adotou uma linguagem bem mais cautelosa e não mencionou textualmente nem o tribunal e nem Alexandre de Moraes. Falou apenas genericamente que está sendo perseguido, disse que pretende “passar uma borracha no passado” e pediu anistia para as pessoas ainda presas pela invasão das sedes dos Três Poderes.

Aparentemente, todo esse cuidado não foi suficiente para tirar Bolsonaro e seu discurso da mira da PF.

Com informações do Blog da Manu Gaspar (O Globo)