Aos 9 anos, Jessica Martinelli foi vítima de abuso sexual, um crime que se repetiu por cerca de dois anos e meio. Só aos 15 anos, após enfrentar muitas dificuldades, ela conseguiu denunciar o agressor. A partir dessa experiência, e com o desejo de encontrar justiça, Jessica seguiu um caminho de superação, tornando-se policial civil em Chapecó, no Oeste de Santa Catarina. Com 25 anos, ela finalmente conseguiu prender o próprio agressor, que era um amigo da família.

Aos 33 anos, Jessica lançou um livro no final de 2024, para compartilhar sua história e inspirar outras mulheres que passaram por situações semelhantes.

Por ser uma história que sei que motiva outras vítimas a denunciar, meu relato traz também conforto para elas, especialmente para aquelas que não têm mais como ver seus agressores punidos. Muitas vezes, o tempo impede a justiça, mas, de algum modo, meu ato trouxe uma sensação de alívio para essas mulheres”, contou Jessica.

A luta por justiça

Os abusos ocorreram entre os 9 e 11 anos de Jessica e só cessaram quando o vínculo de amizade entre o agressor e a família dela foi rompido. O homem tinha 33 anos quando iniciou o crime.

Na época, Jessica não sentia abertura para contar o que estava acontecendo aos pais. “Mas eu sentia a necessidade de desabafar. Então, conversava com amigas do colégio ou com uma vizinha”, relembra.

Uma dessas amigas revelou a situação à mãe, que encorajou Jessica a procurar alguém mais próximo. “Foi então que eu confiei na minha irmã e contei tudo”, diz.

Com 15 anos, Jessica e a irmã procuraram a delegacia para registrar a denúncia. No entanto, ela enfrentou dificuldades com as autoridades. “Tive que repetir minha história inúmeras vezes, e não sentia que estavam realmente me ouvindo”, lamenta.

Esses desafios foram fundamentais para a escolha de sua profissão. “Eu olhava para as mulheres policiais e via algo que eu queria muito ter: força e coragem”, explica.

Jessica se tornou policial civil, e ao longo de oito anos de carreira, sempre trabalhou com afinco para garantir que a justiça fosse feita, especialmente para quem enfrentou situações como a sua.

A prisão do agressor

Em 22 de dezembro de 2016, Jessica teve a oportunidade de prender seu agressor, após um longo processo de busca por justiça.

“Quando estávamos indo, era como se eu tivesse voltado aos 11 anos. Dentro da viatura, tinha uma mistura de sentimentos: coragem por estar ali como policial, mas também ansiedade e medo”, lembra.

Após a prisão, Jessica foi a responsável por fechar a porta da cela do agressor. “Foi o encerramento de um ciclo de 10 anos, que foi muito doloroso. Nenhuma vítima deveria passar por isso“, desabafa.

Infelizmente, devido à legislação da época, o agressor foi julgado segundo uma norma mais branda e já está em liberdade. “Na época, os crimes dessa natureza eram classificados como ‘crimes contra os costumes’. Hoje, são considerados ‘crimes contra a dignidade sexual’, o que implica em penas mais severas”, explica Jessica.

Mensagem de esperança para outras vítimas

Jessica oferece conselhos para outras mulheres que passaram por abusos:

“Primeiramente, eu diria para elas: ‘Você não tem culpa. Não tem culpa nenhuma’. Eu me sentia culpada, mas a culpa nunca é da vítima”, orienta.

Ela também enfatiza a importância de procurar alguém de confiança para contar a história. “Não guarde isso para si. Em algum momento, a dor vai transbordar, e falar sobre isso é um passo fundamental”, afirma.

Por fim, Jessica conclama outras vítimas a denunciarem. “A prisão do agressor faz parte do processo de cura. Quando consegui prender o meu, percebi o quanto isso foi importante não só para mim, mas para todas as vítimas que se sentem sem esperança”, conclui.